Vivemos um momento crítico onde o discurso sobre sustentabilidade ecoa por todos os lados, mas a transformação efetiva parece sempre um passo distante (e oneroso). A provocação é direta e incómoda: estarão as organizações realmente dispostas a mudar os seus modelos de negócios? De forma voluntária ou aguardam o ímpeto legislativo? Infelizmente, a resposta não é simples nem linear.
O sistema económico atual é construído sobre uma lógica implacável de lucro imediato. As empresas, estruturadas para gerar valor aos acionistas numa perspetiva de curto prazo, encontram enormes barreiras internas para implementar mudanças verdadeiras e efetivas que promovam um melhor desempenho na miríade de vertentes da sustentabilidade.
O elefante na sala está cada vez maior e mais difícil de ignorar. A sustentabilidade deixou de ser um conceito abstrato para se tornar uma questão de sobrevivência planetária (e humana!), numa questão de gestão de risco — associado a perdas económicas reais (veja-se o papel da banca nestes temas). No entanto, enfrentamos um dilema fundamental: como provocar uma mudança real nos modelos de negócio profundamente enraizados na lógica do lucro imediato? Como combater uma inércia que não é apenas económica, mas cultural, onde décadas de expertise em modelos tradicionais criam uma resistência quase instintiva à transformação? Custa mudar? Se custa!
A afirmação de que “ninguém alterará voluntariamente os seus modelos de negócios” ecoa como uma verdade incómoda, quase como um sussurro inaudível entre os que tentam mudar. Muitas organizações encontram-se num impasse crítico, historicamente estruturadas para maximizar resultados financeiros de curto prazo, pois a sustentabilidade já não é um diferencial, mas uma necessidade existencial.
(In)Felizmente a legislação e políticas públicas surgem como possíveis catalisadores, mas carregam limitações evidentes, onde por vezes a tática de “régua esquadro” não é justa para todos, já para não falar na sua implementação lenta e burocrática. Por outro lado, as penalidades associadas a eventuais não conformidades podem ser menos onerosas que as alterações estruturais necessárias. Assim, a criação de obrigações de conformidade é complexa num mundo de interesses económicos globalmente entrelaçados, imprevisíveis e em constante mudança (estamos todos atentos às regras comerciais dos EUA?).
O consumidor emerge então como um potencial, mas poderoso, agente de mudança. Aumenta assim o escrutínio, as políticas de cancelamento, o apoio a marcas alinhadas com valores éticos e a comunicação em massa (via redes sociais) que obrigada as organizações a atuarem se não querem perder negócio. Aqui, a complexidade de verificar práticas empresariais reais adiciona outra camada de dificuldade, procurando muitas vezes ser colmatada pelas organizações mediante certificações voluntárias ou pela comunicação do seu desempenho, através dos seus relatórios de sustentabilidade (ou ESG).
É certo que nem todos têm acesso a escolhas (mais) sustentáveis, ou a produtos com melhor desempenho ecológico que são frequentemente mais caros, criando uma barreira socioeconómica real. Não obstante, a pergunta deveria ser: será que precisamos (mesmo) de determinado produto? As nossas escolhas refletem as camadas de complexidade do desempenho de sustentabilidade ao longo da cadeia de valor? Falamos de salários dignos, postos de trabalho salubres e com boas condições de saúde e segurança, da proteção laboral dos trabalhadores, da proteção ambiental, do combate ao desperdiço e à poluição, de promoção da biodiversidade, de inovação, da ética nos negócios, entre tantos outros assuntos. Ou continuamos a assobiar para o lado e a fingir que não existem as marcas globais de rápido consumo, seja na indústria do têxtil ou dos equipamentos elétricos e eletrónicos, que promove um consumo desenfreado sem olhar a meios para atingir o fim último: lucro, lucro, lucro. Parece uma “pescadinha de rabo na boca”?
Lamentavelmente caro leitor, as perguntas são mais do que as respostas. Contudo, não podemos cair no pessimismo paralisante. Existem caminhos. Nós podemos escolher! A transformação necessária que devemos procurar, pede uma abordagem sistémica que articule múltiplos atores e partes interessadas ao longo da cadeia de valor e, que de uma vez por todas, demonstrem que a sustentabilidade não é apenas custo, mas um modelo de negócio que deve ser seguido.
Adicionalmente, importa salientar o papel fundamental que os governos têm, devendo liderar pelo exemplo ao criar incentivos económicos reais – não apenas punições – e que utilizem estes mesmos incentivos para promover uma indústria mais responsável, inovadora e qualificada para internalizar a sustentabilidade no seu modelo de negócio.
Assim, considero que a mudança não será voluntária no sentido tradicional da compreensão deste conceito. Será, sim, o resultado de uma combinação de pressão regulatória, consciência de mercado, procura do consumidor e, fundamentalmente, apreensão de que sustentabilidade não é opcional – é condição universal para a nossa existência.
Cada escolha conta. Cada decisão empresarial, cada política pública, cada ato de consumo consciente são peças de um mosaico ecossistémico de transformação. E, este processo já começou, lento, mas está em curso.
Lurdes Guerra, Senior Sustainability Consultant
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