Quando refletimos sobre o futuro sustentável do planeta e no facto de caminharmos para uma transição energética, o mais comum é pensarmos em determinados setores estratégicos, como o setor das energias renováveis ou o setor automóvel, que atraem todas as atenções, devido aos seus grandes investimentos e ações de mobilidade elétrica.
Não há dúvida de que estes setores são atores importantes e fatores-chave na transição energética do planeta. Imagina-se um futuro interligado e digitalmente transformado, no qual existem inovações e novos modelos de negócio relacionados com a Indústria 4.0 e tecnologias emergentes, como o ML ou a IA, que nos permitem resolver uma multiplicidade de problemas globais que surgem cada vez mais, como a redução do impacto ambiental no planeta, o acesso à aprendizagem ou a melhoria da educação.
Em geral, concentramo-nos apenas no produto final, nas novas ferramentas e tecnologias que nos ajudam a melhorar a vida quotidiana. No entanto, neste processo de desenvolvimento tecnológico e de transição energética em que estão envolvidos setores estratégicos como o automóvel ou as energias renováveis, há outros fatores muito importantes envolvidos, que passam despercebidos e até um pouco esquecidos. Estamos a referir-nos à reserva de matérias-primas do planeta.
E a questão é: as matérias-primas podem ser consideradas fatores-chave da tecnologia?
A resposta é sim, pois atualmente são fundamentais para o desenvolvimento da tecnologia. A seguir, apresentamos uma lista de alguns dos setores estratégicos mais relevantes em termos de tecnologia, para os contextualizar;
Setor das telecomunicações
- Redes de transmissão de dados
- Baterias de todos os tipos de suportes: telemóveis de lítio, baterias de PC… necessárias em qualquer terminal ou dispositivo eletrónico.
Setor aeroespacial e da defesa
- Satélites espaciais
- Foguetões
- Aeronaves
Semicondutores e microchips
- Wafer, semicondutores e chips
Setor das energias renováveis:
- Armazenamento de energia
- Turbinas eólicas
- Painéis solares
- Fabrico de eletrolisadores de hidrogénio
- Drones
- Robots
- Redes elétricas
Veículos automóveis
- Veículos elétricos
- Fabrico de baterias
O que estes setores estratégicos têm em comum? Dependem diretamente de matérias-primas críticas para o seu desenvolvimento, entre as quais as mais importantes são minerais como o lítio (baterias), o indium e o gallium (fabrico de iluminação LED), o silício (fabrico de microchips e semicondutores) e o grupo de metais que são utilizados para o fabrico de eletrolisadores de hidrogénio.
Na Europa, existe uma forte dependência de outras zonas geográficas para a importação de matérias-primas destinadas ao fabrico de produtos industriais, incluindo veículos e respetivos componentes. A Comissão Europeia efetua regularmente estudos sobre matérias-primas críticas e, além disso, a COVID-19 sublinhou a importância de dispor de cadeias de valor geograficamente integradas.
No dia 3 de setembro, a Comissão Europeia publicou a comunicação “Resiliência das matérias-primas críticas: Mapeando o caminho para uma maior segurança e sustentabilidade” (COM (2020) 474), que contém uma nova lista de matérias-primas críticas para a indústria europeia, do ponto de vista da dependência externa e das dificuldades em garantir o seu abastecimento. Na edição deste ano (Study on the EU’s list of Critical Raw Materials – 2020) foram avaliadas 66 matérias-primas candidatas, incluindo 63 materiais individuais e 3 grupos de materiais (10 terras raras pesadas – HRRE, 5 leves – LREE e 5 do grupo da platina – PGM). Foram incorporados cinco novos materiais: arsénico, cádmio, estrôncio, zircónio e hidrogénio.
Recentemente, também o Centro Comum de Investigação (CCI) da Comissão Europeia preparou um estudo prospetivo sobre matérias-primas críticas para tecnologias e setores estratégicos na UE, que inclui uma análise sistemática das dependências da cadeia de abastecimento de 3 sectores estratégicos: energias renováveis, mobilidade elétrica e defesa e aeroespacial. Esse mesmo estudo inclui uma estimativa da procura de matérias-primas e traduz essas estimativas em cenários de neutralidade climática para 2030 e 2050.
O relatório refere que, em comparação com a oferta atual, as baterias para veículos elétricos e armazenamento de energia exigiriam 18 vezes mais lítio e 5 vezes mais cobalto em 2030 e quase 60 vezes mais lítio e 15 vezes mais cobalto em 2050. A procura de terras raras utilizadas em ímanes permanentes, utilizados em veículos elétricos, robôs ou geradores eólicos, poderá aumentar 10 vezes. Além disso, para que a estratégia europeia para o hidrogénio seja bem sucedida, será necessário um abastecimento fiável de metais do grupo da platina para células de combustível e eletrolisadores.
As matérias-primas críticas são também essenciais para o futuro digital da Europa. Segundo o estudo, em 2025, a procura atual de neodímio (terras raras) será 120 vezes superior à procura mundial de armazenamento de dados.
Na Estratégia de Longo Prazo (ELP) estabelece-se a reutilização e a reciclagem e a promoção da economia circular como primeira opção para alimentar os processos produtivos e, uma vez esgotados e sempre que economicamente viável, a utilização de recursos minerais endógenos segundo normas europeias de ambiente e sustentabilidade, assegurando a redução das emissões no setor e reduzindo ao máximo a dependência das importações.
Em suma, como vimos, as matérias-primas, quer de origem primária, quer de origem secundária, são uma fonte de abastecimento fundamental e insubstituível e há que trabalhar no sentido de desenvolver novas e continuadas políticas de investigação e inovação para a substituição e conceção de produtos mais sustentáveis.
Se quisermos ter uma indústria global competitiva e resiliente e assegurar a transição para uma economia verde e digital do planeta, teremos de preservar o fornecimento de matérias-primas para desenvolver tecnologia e estabelecer medidas e políticas de curto prazo centradas na obtenção de matérias-primas sustentáveis para alcançar a independência energética e um futuro verde.
Virtudes Xaixo Cortés, Digital Strategy Granter at FI Group